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A Lei Simbólica e Fundante. O Pacto Social. A Renúncia ao Gozo. A Sublimação

Por Pedro Henrique Guedes Bueno

            Os homens primitivos, como constatado por Darwin, viviam em hordas sob ordens de um ser tirano, que impunha suas vontades aos demais. Num dado momento, eles, cansados da submissão, rebelaram-se, matando o ser soberano. O poder, então, passou para as mãos de vários deles, que queriam exercê-lo cada qual a seu modo.

            Houve, assim, para viabilizar a convivência, a necessidade da instauração de uma lei simbólica e fundante, que passou a atuar como um acordo disciplinador dos comportamentos e relações: o pacto civilizatório.

            Referidas leis – identificadas como o conjunto de regras principiológicas e costumes estabelecidos e admitidos numa sociedade em um tempo específico (moral) – tinham (têm) por objetivo arrefecer as pulsões, estabelecendo o que era (é) permitido ou proibido.

            Assim sendo, forçamo-nos a concluir que, pertencer a um grupo social civilizado pressupõe a renúncia ao gozo oriundo daquilo que é vedado – por ser, talvez, impraticável ou impronunciável. A civilização, noutras palavras, limita a nossa tensão pulsional, obrigando-nos a controlar a nossa besta interior.

            Ao nascermos, aderimos, de forma automática, à indigitada lei fundante que, na sua versão atual, possui normas implícitas – que, mesmo não inscritas, impõem a observância de posturas e comportamentos – e explícitas, como aquelas inseridas no ordenamento jurídico positivado, por exemplo. A vida social limita o nosso modo de agir, independentemente da nossa concordância com o estabelecido, pois.

            A única forma de viver plenamente os desejos, sem a submissão a um controle moral ou jurídico, seria por meio do completo afastamento do grupo social, com a consequente adoção de uma vida eremita – o que pode, por outro lado, significar a impossibilidade de realização do desejo, porquanto tal, via de regra, implica na existência de um outro ser objetal.

            Para melhor elucidar, tomarei o incesto, mito de Édipo, como exemplo.

            Freud afirma, sobre o tema, que o desejo incestuoso é inerente ao homem e somente um interdito, formulado como lei, pode afastá-lo.

            Estudos demonstram que alguns organismos sociais adotam rituais e comportamentos que são considerados reprováveis para outras culturas (como, por exemplo, o caso das limpezas sexuais feitas pelos homens hiena no sul do Malai). Revelam, por outro lado, que em todos eles há uma vedação quase expressa ao incesto – que assume, assim, contornos de um desejo impraticável e, quiçá, impronunciável, em que pese possa livremente habitar a mente humana.

            O cantor Cazuza, na música “Só as mães são felizes”, explicitou alguns possíveis desejos capazes de gerar repulsa: “você nunca sonhou ser currada por animais? Nem transou com cadáveres? (…) Nem quis comer a tua mãe?”

            Postas tais premissas, vislumbro três possibilidades de o sujeito encarar este desejo socialmente reprovável: a) renunciar ao desejo de possuir a mãe; b) aceitá-lo e empregar suas energias no processo da sedução ou tomá-la à força (ciente ou não de que enfrentará as consequências do seu ato); ou c) sublimá-lo, buscando a sua satisfação indireta (de forma não sexual ou agressiva).

            Como visto, levando a efeito a citada lei fundante, o ordenamento jurídico positivado e o instinto de autopreservação do ego, vemo-nos obrigados a substituir o princípio do prazer pelo da realidade – que embora não implique na exclusão do desejo original, exige a renúncia ao gozo, a postergação da sua satisfação ou o deslocamento da tensão pulsional para outro objeto.

            O supereu/superego, atuando como censor dos explicitados impulsos, faz nascer a angústia pela frustração de não poder realizar o almejado.

            A Psicanálise pode desempenhar papel fundamental na amenização das dores apresentadas pelo ser desejante – e impedido por questões morais ou jurídicas de colocar em prática aquilo que interiormente aspira – auxiliando-o na compreensão da origem do sintoma (trazendo à consciência o material anímico recalcado) e no deslocamento da pulsão reprovável para outra socialmente aceitável ou valorizada (sublimação).

PEDRO HENRIQUE GUEDES BUENO
Psicanalista em formação (Escola de Psicanálise de Curitiba). Especializando em Psicologia e Psicanálise (Faculdade Metropolitana de São Paulo). Psicopedagogo (Unibagozzi). Bacharel em Direito (UNISAL). Licenciado em História (UNISAL). Especialista em Direito e Processo do Trabalho (Universidade Presbiteriana Mackenzie) e em Economia do Trabalho e Sindicalismo (UNICAMP). Professor de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos. Servidor do Poder Judiciário Federal. Autor dos livros “Enquanto Durmo” e “Amor, amargo amor, a história de um equívoco” (em via de publicação). E-mail: ikebueno1@gmail.com

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