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Freud e a Outra Face do Sonho Americano

Por Renan Gonçalves

          Era o longínquo ano de 1909, quando Freud e Jung desembarcaram nos Estados Unidos, na ocasião o pai da psicanálise fora convidado por Stanley Hall, presidente da Universidade de Clark em Worcester, para proferir uma série de palestras em comemoração ao vigésimo ano da instituição. Após um tour por Nova York, ambos partem para seu destino com grande entusiasmo. Ao se instalarem no campus, a empolgação de Freud só aumentaria ao descobrir que sua teoria era amplamente propagada pela universidade, como ele próprio pontua em sua biografia — A realização de algum devaneio incrível: a psicanálise não era mais um produto da ilusão, tornou-se uma parte valiosa da realidade.”

          Apesar da excelente recepção de suas ideias, Freud não traria para casa uma imagem positiva da América, como verificamos em uma de suas declarações mais polêmicas — “A América é um erro, “um erro gigantesco é verdade, mas, não obstante, um erro.” É certo que o pai da psicanálise, antes mesmo de visitar o país, já nutria em sua instância imaginária certas convicções acerca da nação. Essa impressão, inclusive, já permeava a dimensão simbólica da sociedade intelectual vienense, que usualmente considerava os americanos intelectualmente atrasados. Freud diria ainda que sua cultura altamente consumista, seria como uma espécie de sublimação, devido à grande repressão sexual que manifestavam por serem puritanos nos costumes. Em solo americano, os conteúdos da instância imaginária ampliariam significativamente seu mal-estar, apesar de ser um sujeito que condenava qualquer tipo de repressão, Freud acabou nutrindo um grande desafeto por aqueles que o chamavam irreverentemente pelo primeiro nome, ou pelas garotas de programa que constantemente inquietavam seus sonhos, acusou ainda, parte da comunidade acadêmica de utilizar apenas dos pontos mais polêmicos de sua teoria, com o mero intuito de banalizá-la. Freud experimentaria, pela primeira e última vez, a outra face do sonho americano.

          Ao criar o termo “Sonho Americano” em seu livro “The Epic of America” de 1931, é provável que James Truslow Adams não imaginaria a proporção do registro simbólico que estava criando ou ainda a dimensão que tal ideia tomaria no imaginário popular de um extenso coletivo, basta considerar o fluxo migratório da ocasião para verificar essa afirmação. Adams professou que no novo mundo, os desejos seriam realizáveis para todos aqueles que tivessem boa vontade. Menos de 20 anos depois, em 1949, Arthur Miller, renomado dramaturgo, escreveria sua resposta ao sonho americano, em uma das peças mais icônicas da literatura: “Death of a Salesman” ou “A Morte de um Caixeiro-viajante” em seu título nacional. 

          A narrativa é relativamente simples, temos um mercador ambulante de nome Willy, que carrega consigo grandes ideias acerca de si mesmo e de sua profissão, acreditando piamente ser próspero e respeitado por todos. Algo que não se traduz na realidade. Aos 63 anos, Willy é incapaz de aceitar que está longe de conquistar tudo aquilo que gostaria. Essa condição se agrava ao decorrer da narrativa, enquanto se torna cada vez mais neurótico e delirante a respeito de sua própria imagem. Constantemente ele recorda um passado de glórias que nunca sequer existiu, ao tempo que mente para a própria família e para si mesmo sobre sua posição de respeito na sociedade. Ele ainda transfere essa mesma simbologia e axiomas imaginários para seu filho Biff, que se vê cada vez mais decepcionado por não conseguir suprir a demanda do pai. Ao final da peça, Willy comete suicídio, pouco antes de fazê-lo, fantasia com seu velório, convicto que provaria para sua família, de uma vez por todas, que era respeitado e admirado por uma multidão que estaria presente em sua despedida. Naturalmente é só mais uma ilusão e o velório é desoladamente solitário.

          Na ocasião, a peça ganhou o selo de subversiva por parte de alguns críticos e censores, tão somente por revelar a outra face do sonho americano. É inegável que a obra atingiu em cheio o simbólico daquela sociedade, trazendo à tona seus medos reprimidos — medo de não conseguir aquele sucesso que uma vez esteve implícito no sonho — medo de não conseguir, ao menos, dar uma vida melhor aos próprios filhos — medo de ainda enfiá-los na mesma espiral neurótica de convicções imaginárias em que sempre estiveram.

 

Fontes:

Gay, Peter, 1923 — Freud: uma vida para o nosso tempo / Peter Gay ; tradução de Denise Bottmann ; consultoria editorial Luiz Meyer. — 2a ed. — São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

Miller, Arthur, 1949 — Death of a Salesman (Harmondsworth: Penguin Books, 1996)

Foto Autor

Renan Gonçalves, Estudante de Psicanálise pela Escola de Psicanálise de Curitiba. Licenciado em História e Habilitado em Filosofia pelo IMES. Crítico de Cinema. Redator e Criador de Conteúdo Digital.

4 respostas

  1. Um texto histórico.

    A angústia é um lugar incômodo , sem nome e ao qual o significado não se encontra nos livros. Não é atoa que as fantasias caibam tão bem neste vazio, pois as criamos na medida certa para tentar tapar este buraco.

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