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O caso Schreber. Reflexões de um curioso

Por Pedro Henrique Guedes Bueno

Estudar o caso Schreber, a despeito das conclusões apresentadas por Sigmund Freud, levou-me às reflexões a seguir explicitadas (pelas quais, se ultrapassarem os limites da lógica e da razão, desculpo-me antecipadamente).

Ocorreu-me que Schreber, tendo a questão edipiana (considerada de extrema importância para o desenvolvimento humano, mormente em razão da sua função estruturante) mal resolvida, introjetou as características femininas da mãe, inclusive quanto ao objeto libidinal.

Vivendo em uma época na qual a homossexualidade era considerada doença, perversão e, em algumas sociedades, crime, tal pulsão libidinal foi recalcada.

Importante consignar que, até a manifestação inicial da doença (a posteriori identificada como paranoia), suas inclinações eram puramente heterossexuais e ele, seguindo os padrões sociais da época, casou-se com uma mulher.

Internado para tratamento de um episódio depressivo hipocondríaco, Schreber teve contato com Fleshsig, que se tornou o seu médico. A proximidade entre ambos redespertou nele a libido homossexual e causou enorme angústia.

O primeiro movimento de Schreber foi negar a vontade que o assolava, deslocando a reação emocional (do desejo homossexual para a tensão provocada pela candidatura a um cargo político), como mecanismo de defesa.

Esse afligimento amplificou-se com a frustração de não ter filhos – afinal, um filho, além de representar a perpetuação da sua linhagem, reforçaria a sua condição viril e heterossexual (tanto para ele quanto para a sociedade em que vivia).

Nada obstante, considerando que o inconsciente dorme, mas não apaga definitivamente o que nele foi recalcado, o desejo de ser possuído por outro homem retornou e passou a pressioná-lo.

Em determinado momento, fora do seu estado de vigília, Schreber pensou em como poderia ser bom assumir o papel da mulher, de passividade, na cópula.

Instalado o conflito interno (viver de acordo com os padrões sociais, culturais e religiosos da época (atuantes de forma intensa na formação do superego) x reconhecer o desejo de ser o sujeito passivo do coito – que implicaria na relação íntima com outra pessoa do mesmo sexo), Schreber reputou ser, inicialmente, um joguete de demônios que invadiram a sua mente com pensamentos moralmente degradantes.

Não conseguindo se libertar da tentação e das paixões que o tomavam, nem amenizar a intensidade do seu desejo, Schreber, na sua desconexão com a realidade, buscou em Deus a validação para o que sentia.

Assim, no seu desatino, acreditou que o Criador o escolhera para ser o precursor de uma nova sociedade. Para tanto, era preciso que ele se tornasse mulher.

Tal, contudo, não seria o bastante, já que, nos seus delírios, a sua fecundação dar-se-ia por raios divinos e ele, portanto, não seria sodomizado – seu original desejo.

Schreber, então, fantasiou a existência de um conluio entre Deus e seu médico.

Na sua imaginosa conspiração, ele seria entregue ao seu médico, Fleshsig (por quem, supostamente, alimentava uma paixão), e o seu corpo usado como o de uma rameira. Ele tornar-se-ia, assim, forçosamente, vítima de abusos sexuais.

Para fugir da escancarada realidade (e aqui, confesso, abuso ao assim me exprimir) ele, após assumir atitudes femininas (chegando a declarar que os nervos da volúpia concentravam-se principalmente nos seus seios), convenceu-se que a sua emasculação e a submissão sexual a outro homem não se tratava de um desejo seu, mas uma vontade de Deus que, de uma forma ambígua, apresentava-se como seu salvador (escolhendo-o para ser o representante inicial de uma nova raça) e seu algoz (permitindo o uso do seu corpo para fins imorais).

Nada há sobre o tipo de tratamento por ele recebido, embora se saiba que ele passou por três internações, tendo a última perdurado até a sua morte, em 1911.

PEDRO HENRIQUE GUEDES BUENO
Psicanalista em formação (Escola de Psicanálise de Curitiba). Especializando em Psicologia e Psicanálise (Faculdade Metropolitana de São Paulo). Psicopedagogo (Unibagozzi). Bacharel em Direito (UNISAL). Licenciado em História (UNISAL). Especialista em Direito e Processo do Trabalho (Universidade Presbiteriana Mackenzie) e em Economia do Trabalho e Sindicalismo (UNICAMP). Professor de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos. Servidor do Poder Judiciário Federal. Autor dos livros “Enquanto Durmo” e “Amor, amargo amor, a história de um equívoco” (em via de publicação). E-mail: ikebueno1@gmail.com

4 respostas

  1. Apesar de tantos anos passados, ainda vivemos em uma sociedade que traz esse comportamento ao homossexualismo. A mistura entre a religião e a essência humana. Considerando ser imoral, aquilo que foge dos paradigmas sociais, mas que na realidade vive no obscuro.
    Casamento para ser mostrado a virilidade diante do social, mas que na obscuridade vive sua essência real. Porém os leva ao sentimento de culpa, de repúdio muitas vezes

  2. Uma análise profunda do caso, muito bem elaborada, resultando em um texto rico em conteúdos psicalíticos e escrito com excelência e magnitude. Gostei muito. Meus cumprimentos!

  3. Que maravilha, Pedro! Análise refinada colocada em palavras com beleza e clareza próprias dos seus textos. Que venham muitos artigos como este, centrados nos temas que o apaixonam. Parabéns (mal posso esperar pelo novo livro!)!

  4. Pedro, ótimo o seu texto acima sobre o caso Schreber! É sempre muito bom entrarmos em contato com novos olhares ! Parabéns, um grande abraço ! Beto.

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