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O REI ESTÁ NU!

Por Pedro Henrique Guedes Bueno

          O conto A nova roupa do rei, de Hans Christian Andersen, mostra-nos que a necessidade de aprovação/aceitação pode nos colocar numa situação absurda, como, por exemplo, aparecer nu em público.

          Na fábula, o rei, temendo ser considerado ignorante e desconhecedor de belos tecidos, vestiu-se, para alimentar a sua vaidade, com uma roupa feita de um tecido inexistente.

          Mesmo após descobrir ter sido enganado – e que, portanto, estava nu – o rei, evitando deixar transparecer a sua ingenuidade diante dos enganadores, não cedeu e continuou o seu desfile, trajando de forma soberba, a sua roupa invisível.

          Caetano Veloso, em uma das suas canções, numa referência ao conto, diz que “tudo cala frente ao fato de que o rei é mais bonito nu”.

          Do cotejo entre o conto e a canção, concluo que, muitas vezes, somos mais belos quando nos despimos dos adornos – materiais ou imateriais – dos quais lançamos mão no nosso percurso.

          Por outro, não me distancio do fato de que, embora possa haver beleza nesta descoberta, possivelmente havemos de nos deparar com uma certa angústia quando encaramos a realidade.

          Isso porque, descobrir quem de fato somos pode colidir com o modelo de responsabilidade moral construído durante a nossa vida. Responsabilidade esta que nada mais é do que a introjeção daquilo que vemos e ouvimos dos vários outros que nos cercam.

          Dúvidas como “o que farei agora que me vejo nu?” podem surgir a partir desta constatação.

          A pergunta se torna difícil de responder porque, embora a nossa desnudez possa se revelar libertadora, ainda não nos sentimos preparados para eliminarmos, definitivamente, a incidência do outro em nós.

          Com efeito, aprendemos que devemos nos comportar como esperam que nos comportemos; que devemos ser o que esperam que sejamos; que devamos ter as emoções e desejos que esperam que tenhamos.

          Agir tal qual esperam de nós nos coloca numa posição inclusiva e, por vezes, de admiração. A atenção que recebemos leva-nos a afastarmo-nos cada vez mais do nosso desejo original, pois ser notado se tornou mais importante que ser o que se gostaria – principalmente porque aqui não haverá ganhos mas, quiçá, danos secundários.

          Percebemos que, de uma forma ou de outra, vestidos ou desnudos, podemos nos angustiar. No primeiro caso, porque vestimo-nos das roupas que os outros nos deram; no segundo porque, desnudos perdemos afetos, pois pessoas de nós se afastarão porque não mais entregaremos aquilo que elas esperam de nós.

          Conhecemos, vestidos ou desnudos, as dores e as delícias das nossas escolhas.

          As delícias talvez não sejam um problema, mas e quanto às dores?

          O processo analítico haverá de nos levar a enxergar o porquê nos colocamos no local no qual nos encontramos e o que podemos fazer com a realidade, quando ela se revela nua e crua.

          Poderá, ainda, fazer-nos perceber que, embora incomum, talvez sejamos, de fato, mais bonitos nus.

PEDRO HENRIQUE GUEDES BUENO
Psicanalista em formação (Escola de Psicanálise de Curitiba). Especializando em Psicologia e Psicanálise (Faculdade Metropolitana de São Paulo). Psicopedagogo (Unibagozzi). Bacharel em Direito (UNISAL). Licenciado em História (UNISAL). Especialista em Direito e Processo do Trabalho (Universidade Presbiteriana Mackenzie) e em Economia do Trabalho e Sindicalismo (UNICAMP). Professor de Cursos Preparatórios para Concursos Públicos. Servidor do Poder Judiciário Federal. Autor dos livros “Enquanto Durmo” e “Amor, amargo amor, a história de um equívoco” (em via de publicação). E-mail: ikebueno1@gmail.com

4 respostas

  1. Muito bom Pedro ! Claro e objetivo .
    Me veio uma imagem que pode nos ajudar nesta questão : O rei poderia vestir um traje transparente que permitisse agradar alguns e também se ver como realmente é em seu espelho com uma boa iluminação.
    Grande abraço

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