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Ok, Google. Fale-me tudo sobre tudo, sobre meu psicanalista e sobre mim

Por Hellen M. A. Cardozo Monarcha

          Com um pequeno ajuste no enunciado, o Google diria: “aqui está o que encontrei!”. Afinal, “é o Google!” Chega a ser esquisito não haver um resultado no Google. Não é mesmo? Provavelmente, o erro está na busca, na palavra-chave mal escolhida, na frase mal redigida. “Ele” possui tudo o que precisamos saber. Não possui? Deste modo, “ele” não poderia nos frustrar, “ele” é o “nosso sujeito suposto saber contemporâneo, digital e global”. E esta é minha provocação inicial.

          Mas, por enquanto, deixemos o Google no parágrafo anterior. Falemos de Psicanálise. Na Psicanálise Contemporânea há essencialmente uma tênue linha entre o “saber” e o “não-saber”, que eu relaciono ao consciente e ao inconsciente do analista e do analisando, imbricados e independentes, graficamente representados pelo esquema lacaniano ou esquema “L”. Quanto mais eu sei, menos sou sujeito detentor do saber.

          Ainda assim, sou sujeito suposto saber, necessariamente e temporariamente. Necessariamente, pois a clínica contemporânea precisa desta premissa para acontecer e para se estabelecer. Temporariamente, pois esse suposto saber deverá ser frustrado em breve, em prol da evolução do tratamento. Pois, haverá um sujeito que chegará até a clínica, aquele que se autodenomina como o que “não sabe” e que espera saber “de tudo” tão logo possa. O que esse sujeito que se entende como não entendedor não espera é que a fonte deste saber não esteja em seu analista, a não ser na condução da análise, no manejo clínico.

          E o analista, muitas vezes iniciante ou em contratransferência, poderá ser aquele que se autodenomina como “o que sabe” e que espera oferecer as respostas sobre “tudo” tão logo possa. E assim, ele estará reprimindo, julgando, aconselhando e impondo seus significantes à significação que não lhe pertence: a de seu analisando. Talvez, esse analista possa estar se amparando em uma abordagem mais pedagógica. O que não creio. Entendo que este analista esteja precisando de análises pessoais.

          De todo modo, como psicanalistas contemporâneos, precisamos ir além do dicionário e da etimologia das palavras, provavelmente mais que um psicanalista clássico precisaria, por ser de uma era não-digital e ainda não tão excessivamente informacional. Ainda falarei um pouco mais deste ponto.

          Antes, retomo o saber do setting, que é o saber desperto no analisando, espontâneo, não orientado, advindo de chistes, de atos falhos, de respostas a provocações, de sonhos relatados, de projeções, de cortes, de sua história pessoal, de sua história ancestral, de suas fendas e refendas. O saber do setting não é o saber do analista ou do analista-palestrante, do analista-educador, do analista-produtor-de-conteúdo-digital.

          Aliás, sou educadora, sou palestrante e sou produtora de conteúdo digital, mas a Psicanálise e a vida de meu analisando nunca poderão ser minhas propriedades. Esta ideia vem se tornando para mim mais nítida. A exposição de meus símbolos deve ser inclusive repensada em cada ambiente e plateia. Também não deverei me reprimir, mas me readequar sim, e isso faz parte da escolha que fiz quanto à Psicanálise.

          Como discorri no início, as linhas são tênues, o “saber” e o “não-saber” estarão sempre tensionados, inclusive metodologicamente. E o contemporâneo intensifica e desafia qualquer separação de papéis. Somos uma “Sociedade em Rede”, como diria Castells (1999). Estamos cercados de novos símbolos e de novos ambientes de inter-relação. Aliás, nos vejo cercados de conceitos distorcidos e circulantes, ou seja, além da quantidade, há este novo fator complicador da clínica, gerador de implicações e de tensões: a qualidade do que se lê e do que se vê. O pior conselho muitas vezes é “oficial”.

          Neste ponto, recorro novamente “ao Google” com uma pergunta: “ok, Google. A quem pertence as ideias, os significados, as palavras?”. Amabilidade, fidelidade, bondade, empatia são boas características segundo quais significantes? O elogio na clínica ao que é certo não seria uma validação por um outro Superego? E a crítica ao mau comportamento não seria mais outro? Não estaríamos “modelando”, “mentorando” e assujeitando o analisando ao nosso imaginário e simbologias?

          E qual o limite da liberdade na clínica contemporânea? Afinal, psicanálise em primazia é liberdade. Esta clínica consegue ser livre convivendo essencialmente em rede? Como distanciar de um analisando o que os algoritmos salvam “eternamente”? Como preservar nosso imaginário e nossos símbolos do mundo real, reduzindo a presença virtual, se a conveniência e a própria dialética social tornou a realidade virtual prioritária? Encerro aqui, aceitando todo o “saber” que há em meu “não-saber”. Ficam as perguntas. Abro mão das respostas. Ok!

REFERÊNCIA:

CASTELLS, Manoel. A Sociedade em Rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v.1). São Paulo: Paz e Terra, 1999.

Foto Blog opção 1

Hellen M. A. Cardozo Monarcha, Estudante de Psicanálise (EPC). Mestre em Comunicação, Linguagens e Cultura (UNAMA). Pós-graduada em Docência e Prática da Meditação. Hipnoterapeuta Clínica. Nanodegree em Digital Marketing. Publicitária.

5 respostas

  1. O que realmente gosto sobre esse texto é sua capacidade de exprimir, em definitivo, determinadas “crises” que a prática psicanalítica sofreu, sofre, e possivelmente sofrerá. Do analista novato, confuso acerca de sua posição no manejo; até o mais longevo na prática, geralmente seduzido pelo conforto de uma clínica tradicional, mas que por vezes se configura anacrônica, ou que ainda acredita, equivocadamente, que o tempo lhe conferiu a famigerada posição do saber. Posição essa, pontualmente debatida nesse artigo. A autora também traz para considerações espectros da atualidade, como a deficiência atual em distinguir realidades, imposta pela nova dimensão virtual que já atua ativamente nos registros simbólicos. Como previu Jean Baudrillard, na década de 80, em sua obra “Simulações e Simulacros”:

    “A simulação já não é a simulação de um território, de um ser referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real.”

    Logo, o debate da dissolução da dimensão real em detrimento da virtual, não poderia ser mais atual e pertinente aos novos paradigmas da prática psicanalítica. Afinal, só restariam signos e símbolos de uma produção estritamente virtual? Se sim, o que isso representaria para o Setting? Esse questionamento, assim como os tantos outros levantados pela autora, demonstram sua grande extensão do conhecimento multidisciplinar. Geralmente busco por artigos acerca da psicanálise contemporânea, a clínica do amanhã, e raramente encontro algo nesse nível, abrangendo premissas que ninguém realmente pensou. Parabéns, espero pelos próximos!

    1. Obrigada, Renan! Por se dedicar em seu comentário e por ver tanta reflexão por aqui. O hiper-real, os simulacros… A gente escreve um pouco sobre a gente e cada um acha um pouco de si no texto (meu desejo). E eu acho mais de mim nos comentários: “minha mágica preferida!”

  2. Excelente texto, Hellen! Contemporâneo e extremamente provocativo. Como você escreveu: o tema e as perguntas foram colocadas à mesa. Cabe, agora, uma boa e contínua reflexão em busca de respostas. Parabéns e, como comentado pelo Renan, aguardamos os próximos textos!

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