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Platão no setting psicanalítico

Por Andre Talvani Pedrosa da Silva

          É inegável a influência do pensamento platônico sobre aconcepção científica que permeou os primórdiosdos conceitospsicanalíticos desenvolvidos por Sigmund Freudno final do Séc. XIX e início do Séc. XX. Vinte e três séculos separam o filósofo grego Platão (428-377 a.C.) do nascimento da psicanálise, mas quando iniciamos esta viagem metafísica pelo inconsciente humano, em busca de artefatos e elementos para a reconstrução e compreensão do verdadeiro “Eu”, identificamos vários vestígios platônicos no setting analítico. Um dos vestígios mais contundentes concentra-se em um fragmento da obra mais difundida de Platão, “A República&”. E, mais especificamente, no“mito da caverna”.

          Neste contexto, Platão narra um diálogo entre Sócrates e Glauco, sobre a descrição dos limites do conhecimento humano. Sócrates, de forma lúdica, descreve uma caverna escura com homens acorrentados ao fundo e, cujo conceito de realidade lhes era creditado pelas sombras projetadas na parede, a partir da luz emanada de uma fogueira. Quem projetava as imagens, manipulava e mantinha todos os homens contidos naquela caverna. Havia uma pulsão mortífera de repetiçãonaquele ambiente, onde as sombras nas paredes introjetavam um medo paralisante em mentes vazias. Abuscapelo crescimento e autoconhecimentodemandaria ações transformadoras e,porconseguinte, decisões que gerariam desconforto e até sofrimento. Para o pensamento Socrático, a construção da maturidade do homem se inicia quando ele se desvencilha dos “pré-conceitos” impostos pelas correntes do ambiente ilusório da caverna, e inicia uma jornada em direção à luz (conhecimento) emanada pela porta de entrada da caverna.Permanecer acorrentado dentro da caverna seria uma condição individual de comodismo, falsasegura, mas que precisa ser respeitada.              

          Na visão psicanalítica, a estruturação psíquica de cada indivíduo definirá se o ato ruptura das correnteso levará, de fato, a viver em plenitude na nova realidade fora da caverna.E por que isso ocorreria? Porque mesmo se libertando dos dogmas (correntes) impostos enquanto vivia na caverna, a sombra da caverna ainda persiste em seu subconsciente. Por isso, enquanto no texto de Platão, o homem era instigado a buscar o conhecimento real do mundo fora da caverna, pelas concepções psicanalíticas, Freudpropunhaalgo além! Ele convidavaeste homem a retornar ao ambiente escuroda caverna. A contemplação das maravilhas do mundo externosó seria possível após esta jornada pela busca doequilíbrio psíquico e do reconhecimento de si próprio. Nesta árduajornada, o psicanalista exerce um papel da luzque clareia e norteia naquele ambiente, antes considerado inóspito. A luz do psicanalista tem como propósitosinalizar, com sutiliza, cada detalhe na caverna:identificar as correntes que o feriram, identificar o fogo e as sombras que tanto lhe causaram medo. Por mais dolorosoe, muitas vezes, demorado que seja esteprocesso de autorreconhecimento, nele se encontra a chave para abrir as portas da verdadeira felicidade deste “novo homem liberto”ou, denominado “analisando” emum setting psicanalítico.

Referência: Platão. A república. 10a Ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.

ANDRE TALVANI PEDROSA DA SILVA
Estudante de psicanálise

4 respostas

    1. Oi Luciana! Fico feliz que tenha gostado. São conexões que acabam brotando em nossa mente quando estamos vivenciando esta fase maravilhosa de “semente em germinação, ou seja, a formação em psicanálise clínica! Por isso, agradeço por suas gentis palavras. Abraços.

    1. Oi Sandra! Grato pelas palavras de afeto. Mas explorando o significante de “sua lâmpada”, digamos que eu utilizo o filamento de tungstênio que construímos “juntos” (nas nossas discussões de grupo) e o insiro num bulbo de vidro e, eis a lâmpada estruturada para reflexão! Nada mais que um trabalho coletivo de ideias!!! Um abraço, minha amiga.

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