fbpx

Quero (mesmo) ser um psicanalista?

Por GISÉLIA MARTINI

Nos últimos anos a Psicanálise tem ganhado cada vez mais espaço nas mídias e despertado o interesse de pessoas que buscam ferramentas para cuidar da saúde mental e de pessoas que desejam construir nessa área, um caminho profissional. Essa difusão da Psicanálise é um movimento positivo no que tange a aumentar o número de pessoas atendidas, mas também produz dúvidas em relação a como se dá o processo de formação de um analista. Esta maior visibilidade também provoca o surgimento de modismos que distorcem o saber psicanalítico em prol de ganhos mercadológicos. Para aqueles que se interessam em seguir profissionalmente na Psicanálise é importante saber como esse processo acontece.

Para tornar-se um psicanalista é preciso submeter-se a um processo de formação contínuo através de Instituições específicas que transmitam a Psicanálise. Cada instituição determinará os requisitos necessários para quem deseja seguir esse caminho. Mundialmente a psicanálise é um curso livre, ou seja, para quem deseja atuar clinicamente é necessário vincular-se a alguma instituição que ofereça esse percurso, consequentemente precisando atender aos requisitos das mesmas. Cada instituição terá características próprias, mas todas atendem ao tripé de formação.

É um percurso desafiador que implica dedicação e disposição para passar pelo processo analítico, aprofundar os conhecimentos teóricos, que se retroalimentam com a prática clínica e para quem já está em atendimento, submeter-se às supervisões regulares.

Para quem deseja seguir o caminho acadêmico sem a intenção da prática clínica, dedicando-se à pesquisa da Psicanálise, é possível buscar especializações lato sensu em psicanálise e áreas afins, como cursos de psicologia, filosofia ou outros da área de humanas. Já quem deseja obter um diploma reconhecido pelo MEC em uma especialização stricto sensu, é necessário buscar programas de mestrado ou doutorado.

Freud defende a Psicanálise como uma prática laica e leiga. Laica por não possuir religião e leiga por ser possível que não médicos a pratiquem. A Psicanálise trabalha com a subjetividade do sujeito não atendendo a protocolos como os saberes científicos exigem. A Psicanálise é uma ética – a ética do desejo, a ética do inconsciente, como Lacan nos traz no seu Seminário 7.

Além da autoconsciência, o analista precisa experimentar as dores e sabores de uma análise. Parafraseando Freud (1912), aqueles que negarem a necessidade de ser analisado não será capaz de aprender com seus doentes, mas correrá e será um sério perigo para os outros. Estará preso no engodo da falsa auto percepção sobre peculiaridades de sua própria pessoa, projetando para fora como na ciência e levando o método psicanalítico ao descrédito e os inexperientes ao erro.

Já na abordagem lacaniana, o desejo de ocupar o lugar da escuta é algo que surge no processo de uma análise, quando as fantasias construídas no imaginário do próprio aspirante já foram transpassadas. Lacan postula que ao final de uma análise surge o desejo do analista e a partir dele o aspirante é implicado autorizar-se de si mesmo. Nas palavras de Quinet, “Se não são as condições elevadas artificialmente ao estatuto de regras, o que pode qualificar o psicanalista? A resposta só pode ser uma: é a passagem do analisante ao analista no interior do próprio processo analítico — passe que é correlato ao final de análise (QUINET, p. 11, 2009).

Esse não é um processo solitário, já que a análise pessoal acontece quando o analisante autoriza um outro, em transferência, a ocupar o lugar da escuta, formando com ele um par. “O processo não é necessariamente desagradável, mas pede uma determinação e uma coragem que podem falhar mais facilmente em quem não precisa de tratamento” (CALLIGARIS, p 12, 2004)

Enfim, para quem deseja ocupar o lugar da escuta, a análise pessoal não é uma possibilidade, é uma responsabilidade. É através dela que o desejo do analista e o desejo de análise se sustentam.

REFERÊNCIAS

  1. Calligaris, Contardo. Cartas a um jovem terapeuta: o que é importante para ter sucesso profissional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004
  2. Freud, Sigmund. (1926) “A questão da análise leiga”. In. Obras Completas [tradução Paulo César de Souza]. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, vol. 17, p. 99.

3._______. (1912) “RECOMENDAÇÕES AO MÉDICO QUE PRATICA A PSICANÁLISE. In. Obras Completas [tradução Paulo César de Souza]. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, vol. 10, p.111.

  1. Quinet, Antonio. As 4+1 condições da análise. 12.ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

GISÉLIA MARTINI- Psicanalista

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *